Por favor, prometa-me, não falaremos mais de sentimentos. Não por hoje. Não aqui, não agora, não nesse lugar. Já é nove horas, está perto da hora das barracas de lanche fecharem, e de apagarem suas luzes, de todas as suas luzes. O dono daquela que visitamos recolhe as mesas plásticas e cadeiras, e ri conosco, e leves sorrisos ostentamos, sem saber dos mundos que aqui ocultamos.
Por favor, prometa-me, não falaremos mais de passado. Não por hoje. Não aqui, não nesse lugar. A lágrima que já foi perdida há muito já secou desse rosto. Dessa face, negra, enlutada. As roupas de cama já falaram por mim. Os poemas não se calam no caderno. Os meus esconderijos já são conhecidos, os meus refúgios devassados.
Por favor, prometa-me, não falaremos mais de amor. Não por hoje. Não aqui, não agora, não nesse lugar. É tarde da noite, tenho que voltar. Mas, para que lugar?Aquele que mal me cabe sob o nome de "lar"? Aquele que há muito deixei a parte do coração que teima em não querer mais voltar? Falaremos de trabalho, falaremos de amenidades. Sobre todos os disfarces, sobre todas as músicas. Não sobre as dúvidas, não sobre a Lua. Ela está sempre lá, e a estrela também.Já me despedi dela, quiçá a perdi para sempre. Pois me perdi também. Casos, acasos, beijos, amassos, tudo não passa de simples subterfúgios que me furtam essa vontade, essa insanidade, esse mormaço. Mormaço que não se cala em cama. Cama que não se cala em senzalas. Senzalas que prendem Isaura. Lágrimas que me fazem falta.
Por favor, prometa-me, não falaremos mais de dor. Não por hoje. Não aqui, não nesse lugar. Falaremos de eventos, de coisas de momentos. De coisas fulgazes. Dos atrasos incontavéis, das revoltas populares, das brigas estudantis entre meninas e rapazes. Lá onde a rotina segue, nada nos abala. Até nos conforta. É a nossa religião, é o nosso ópio. A sala do laboratório. É manipulado. O nosso rémedio. São os humanos analgésicos. Amigos que em todas as horas, naquelas em que convenientementes nos sentimos sem espaço, encontramos um modo de nos sentirmos abraçados. Confortados. Amados.
Por favor, prometa-me, não falaremos mais de sexo. Não por hoje. Não aqui, não agora, não nesse lugar. Porque é tão chato, repetitivo. Cansativo. Essas coisas todas de meninos, que você insiste em dizer que são homens, mas que não passam de moleques irresponsáveis e cretinos.Do que adianta comentar a toda hora nossos desatinos? Já foram feitos em carnavais, já foram esquecidos. Calados, mudemos de assunto. Esse bar, amarelo, com fotos tão modificadas de ídolos contemporâneos, um tuareg toca na vitrola. A dona do bar já vai fechar, já é passada a hora. Nessa quinta-feira arrasada, já perdi a conta de quantos ônibus perdi. Os cigarros que já acendi.
Por favor, prometa-me, não falaremos mais disso ou daquilo. Esses assuntos, esses planos, esses futuros. Tantos desejos, sonhos, segredos. Deixe tudo isso para o amanhã. A ele nos pertencemos. A nós encontraremos o nosso momento. Com quem?Não interessa saber.Mas que seja tão intenso quanto todos os pensamentos, anseios, pedidos e beijos. Que não precisam ser perfeitos, mais necessários para nossos viveres, prazeres e quereres. E amores.
Nessa parada de ônibus, com tantos seres humanos, o beijo que na boca recusamos, fica na testa, na cabeça, no pensamento. Atravesso a rua, veja a poeira descer.E nas nossas respectivas camas, conseguiremos todos os nossos assuntos esquecer? Então, prometa-me, sejamos felizes.E continuando o assunto:Como foi o seu dia?
Por favor, prometa-me, seremos mais sentimentos.