Está decidido: Quando me for, não deixarei saudades para trás.Não deixarei nada para trás. Não recuarei mais de minha decisões, nem das consequências de meus atos. Levarei todas elas na mala, fazer as trouxas com todas as coisas,e carregar tudo nas costas. Deixo a casa, as cartas, os vidros quebrados, as bonecas de porcelana, os jasmins, os discos.Levo apenas comigo,o necessário de tudo isso, que eu deixei.
Eu sei,haverá objeções,críticas e reclamções.Injustiças ou incompreensões dos quais não poderei escapar nem evitar.Mas,que ainda assim,eu as prefira a todas elas do que regredir a teimosia de meu Ego.Prefiro ouvir,por mais que doa o erro e ponderar, do que jamais ter pensado e aprendido.
Não será de um dia para outro, mas chegando a hora, sei que não poderei mais me demorar. O caminho é longo, tem muito chão, poeira e barro. Essa areia que entrará no sapato, eu tirarei da sola apenas quando parar numa sombra amiga ou numa casa perfeita, aonde se possa olhar a paisagem ou tomar um café preto na mesa.Vou tirar o pó das sandálias e guardá-las aonde vento nenhum possa carregar, até o dia em que a morte ou o Alzheimer levem na embora.
Eu vou ter nos ombros, os pesos de erros e desatinos.Porém, creio que de algum modo, mesmo sozinho, haverá um ombro amigo com um ouvido limpo, ou de preferência com o mínimo de cera e reservas, para me escutar.Tentarei não amolar facas e tempos alheios com o desnecessário, o fútil ou chatisses. Se eu puder evitá-las todas, me darei por satisfeito,se não tentarei sempre.Só o essencial deverá ser conversado para desarmarrar os laços do nó górdio que pesam no miocárdio com a espada alexandrina da clareza,simplicidade e sinceridade.
Conhecerei as manhas e as manhãs. O sabor das massas e das maçãs. Irei mais além, ousarei sonhar, mesmo nos tempos em que caiam a mais forte tempestade ou a mais pesada noite escura. Lembrarei dos Vagalumes, das Cigarras, das Formigas. Do luar. Deitarei a cabeça nas pedras, o corpo na grama e olharei a noite como se fosse o último ato de uma composição de Chopin.
Molharei todos os dias ao acorda, o rosto com a água da fonte ou da cachoeira mais próxima. Lavarei meu corpo com toda água de cheiro que eu encontrar. Sei que ao entregar meu corpo ao outro, irei me cortar de espinhos. Porém prefiro pagar para ver o cheiro das rosas, do que ter sido egoísta e nunca ter amado as flores. É mais fácil falar do que fazer, mas se eu não falar, quem mais irá fazer?Então é bom deixar a preguiça de lado, as reservas e amar de novo o novo sempre,seja na forma de antigos rostos ou fascinantes desconhecidos.Mas que venham todos com carícias, sexos e beijos cheios desse Axé que é a vida.
Que seja esse o meu Élam vital Bergsoniano: A infinita capadicade de me surpreender com o inesperado, o belo e o infinito.
E se no fim da jornada,meus joelhos se dobrarem e não conseguir mais andar.Se eu me deitar cansado e não conseguir mais me levantar.Se meus olhos estiverem tão pesados, que seja até difícil sonhar.Antes do último apagar das luzes,antes que os panos todos caiam sob a ribalta.Eu teria escrito mil ficções, orado mil orações, cantado mil canções, amado mil corações, abraçado mil irmãos, e vívido mil encarnações, todas elas como se fossem a primeira vez.
E deixarei assim, o meu testamento com os grãos da terra, que semearão e brotarão, formaram bagas de sementes com os quais faremos o pão, que é o corpo da vida, do Cristo,e com o vinho da alegria, seu sangue, eu e todos os meus filhos, brindaremos para no final não nos arrependermos de nada e dizer:
"-Valeu a pena caminhar nas pedras do Arpoador,junto ao mar!".
Esse é meu direito,minha decisão.
assinado,
(coloque seu nome aqui)