(FIM)
Os olhos já não brilham como as paredes.Foi um salto, sem rumo nem vez. E com o abrir das púpilas, piscando velozmente, com o vento rasgando a pele. Ardiam.Como o fogo dos velhos tempos.Queimavam.Como as chamas do apocalipse.E voando longe demais,pensava alcançar no concreto armado, o sol que Apolo usou para derreter a cera das asas de Ícaro, arremessando-o aos rochedos do mar grego.Mas foi apenas beijo,doce sabor do cimento,que jazido ao chão,estatela o corpo,quebra ossos,esmaga miolos,desfigura rostos,desloca mandíbulas,quebra clavículas,arrebenta bacias,perfura costelas,salta as órbitas,espalha viscéras, arranca dentes, comprimi pulmões,corações,espalha meninges e sangue no solo profano do que de sagrado nunca foi. ´
Há uma lagarta rastejando numa folha seca.Em breve será uma crisálida, em alguns dias uma borboleta.Uma barata passa ligeira por entre o piso esverdeado de musgo,sujo de pés,sombreado de árvores,feito de cimento,tateia o sangue,sente o cheiro,talvez estranha o sabor e tonta se vai.Um rato passa ligeiro,e se desvia de novo do cano de pvc com isca de veneno,armado há tanto tempo para ser parte da paisagem,que de costume de desviar,nem é mais medo.Um besouro meio desavisado passa por cima de alguns rejeitos.Formigas que carregavam folhas,em breve carregarão miolos em suas presas para o formigueiro. Não tem urubu no céu,mas carniça atrai cheiro.E cheiro atrai cachorros sarnentos,vira-latas famintos,doentes,embriagados de preguiça,e curiosos que não demorarão a chegar,a olhar,chorar,ver,compartilhar,conversar,e a esquecer.
O servente é o primeiro,se benza,faz sinal da cruz,e chama a faxineira evangélica, que chocada chama o segurança,que no seu rádio emite um comunicado protocolar em código para outros departamentos,em alguns momentos chegará uma caminhonete ou caminhoneta, com a logo da instituição e os dizeres de segurança patrimonial.Verificarão o caso,chamarão a emergência,se a mesma já não tiver sido solicitada.O que na prática é tola burocracia,para constatação do óbvio:morte por lesões múltiplas dos órgãos decorrente de suicídio.As fraturas expostam gritam para o céu.E a polícia cientifíca,recolherá,como garis e carniceiros animais, os restos mortais,para que num freezer,em temperatura adequada,seja periciado,catalogado,investigado,e entregue aos familiares daquele que era um familiar estranho.
Se passa dias de comentários,dizeres,lembranças...sussuros,piadas,debates.Culpados reais e inventados.A imensa maioria silenciados. Ciclos de debate, comunicados das estância superiores protocolares, operações de abafa o caso. Cartazes de tosca cartolina afixados em algum muro ou coluna,para avisar,e depois serem riscados. Nos banheiros públicos,riscos,desenhos,profanações,programações sexuais,dimenssões fálicas,endereços virtuais de vadias virtuais,somente para ativos,moreno,alto,mais de 22 cm,tipo mignon,discreto,celular,email,enquanto alguém urina,e desenha a caneta uma passagem bíblica clamando para que se salve,outro responde com alguma ofensa.Propagandas de banda,sexo em andares escuros,festas em algum canto,bebidas em torno de um lago,colegas após as aulas.Gente que não se conhecia,é noite ainda.Alguém fala do assunto da semana,testemunhas ali não faltam,só para a polícia que não se apresentam.
Depois marca para sair,Recife Antigo,talvez.Alguém vai ficar com alguém,uma menina beijará outra menina e dirá que foi curiosidade ou bebida.Um beck será tragado.Um cigarro fumado.Homossexuais com piadas esdruxúlas,bis antenadas,rapazes animados para faturar um sexo fácil.E aí,faz ménage a tróis?É a cota do universitário,se tiver sorte na senha,de transar com duas mulheres ou da lésbica fatura aquela mina que tá com um cara que idiotamente irá aceitar sem imaginar que o desejo sexual seu é apenas um meio,para um fim...de sua namorada.Um carro com portas abertas e som berrando alto.Gente dançando,desrespeitos a lei do silêncio.Se misturam ônibus com paradas cheias.É terminal.Copos altos de plásticos,pessoas com as mais variadas roupas,estilos,e discursos políticos.Quase todos de esquerda,mesmo sendo destros.Há pouco sinistros,pra muita União Soviética.
Logo será onze horas da noite,os últimos alunos saem de seus livros,salas,professores irão embora dali.As saídas estão fechadas só se saem em um bovino sentido.Os mui altos senhores e senhoras do universo acadêmico,terminam seus mui diligentes deveres.Alguns discutem possibilidades de greve, disputas com o governo federal,as negociações do sindicato, as leituras de Ricoeur,Marx,Nietzsche,Lévinas,Strauss,Bauhman,Hobsbawn...pouco de Adam Smith,nada de Jornal Nacional.Alguns se candidatarão nas eleições,outros para Reitor,outros para oposição.Comentários a boca míuda,sempre tem um ou outra aluna que segue a corte...algumas bem bonitas,outras bem chatas.Uma língua maldosa dirá...preferidas e amigos do rei.As mais piedosas,prostitutas e amantes.Parecem ter em seus olhos interesses genuínos.Alguns não vão tão longe,tem bolsas de estudos,mestrados,estágios monitorados,monitorias,precisam estar em dia,correndo atrás,enquanto as distantes costas dos públicos funcionários se distanciam.Os mais ambiciosos sonham abertamente pela queda desses distintos "proletários",outros esperam pacientemente que os últimos exilados,torturados se afoguem em seus ressentimentos pós-queda de Muro.Os mais jovens ou aqueles que não suportam mais o capital,apesar de vivê-lo,serão declarados,pós-modernizados.
Horas atrás teve banca:monografia,tese e doutorado.No teatro,haverá formatura,na concha acústica manifestações de calorados estudantes ébrios de etilícos e de ilícitos.Os corredores novamente serão vázios.Alguém ficará novamente depressivo,bipolar,ou algo que valha,subirá as escadas normais ou de incêndio.Se tiver azar topará com algum gentil segurança,que com brutais gentilezas mandará voltar para casa mais cedo.Ou topará com algum casal que não conseguindo a chave do DA tentará se amar,escondidamente,em algum departamento.Sempre tem uma ou duas perguntas e depois embora.Os mais apressados de ônibus correrão.Se algum dinheiro tiver,vista grossa se farão.Nas grades colocadas com estardalhaços de fim de gestão,sempre se encontra uma porta aberta para vôo noturnos.
E com dificuldade ou não,com amor ou não,com dor ou não,mais alguém se jogará ou será jogado,e caíra em alta velocidade, experimentando a lei da gravidade,o vento rápido,o cimento amargo,todas as contas dos andares contados,todos os motivos fúteis ou válidos,existentes ou falseados,numa madrugada ou até mesmo num dia de sol.Gente de novo irá chorar,lamentar,reclamar,limpar,deixando o chão de cimento novo para novo salto. O doce sabor do cimento.´
(ÍNICIO)