Decidi fazer esse texto, após horas, e horas exaustivas, dentro da minha própria casa de sessões musicais involuntárias de audição dos cds de meu pai, senhor Wellington Alves de Almeida, vulgo Leto, de 70 anos de idade. É engraçada a minha relação com o gênero bolero: Comecei detestando, mas, depois de tanto escutar suas letras, acabei desenvolvendo um gosto peculiar pelo gênero.
Bem inicialmente, colocarei aqui as origens do gênero,e em seguida colocarei minha posição pessoal em relação ao assunto.
A origem do Bolero
Hoje o Bolero tem presença mundial devido principalmente à difusão pelo México, e tem contribuído com seu romantismo para a união de muitos casais já há muitas gerações.
Origens do Bolero
O bolero é o ritmo musical adaptado da clássica balada às raízes afro-espanholas, que se desenvolveu em Cuba, Porto Rico, República Dominicana e México. O nascimento do gênero foi na cidade de Santiago de Cuba, em Cuba, provavelmente em 1885 com o aparecimento de Tristezas, de autoria de José Pepe Sánchez: Tristezas me dan tus quejas, mujer / Profundo dolor que dudes de mí / No hay pena de amor que deje entrever / Cuánto sufro y padezco por ti. / La vida es adversa conmigo / No deja ensanchar mi pasión / Un beso me diste un día / Lo guardo en mi corazón.(...). Por este motivo motivo diz-se que Cuba é a "Mãe" do bolero.
Surgiram dezenas de grandes compositores e intérpretes latino-americanos como, por exemplo, Oswaldo Farrés e Gonzalo Roig (Cuba), Rafael Hernández e Pedro Flores (Porto Rico), Agustín Lara, María Grever e Consuelo Velasquez (México), Lucho Gatica (Chile), Mario Clavell e Gregorio Barrios (Argentina) e tantos outros.
Alguns desses mestres da música romântica já foram inseridos na seção "protagonistas". A seguir um resumo dos compositores, intérpretes e das obras-primas românticas de Cuba, México e Porto Rico.
Bolero em Cuba
O primeiro bolero de fama internacional foi Aquellos ojos verdes (1929), composto pelo cubano Nilo Menéndez, enamorado de Conchita Utrera, uma linda cubana de olhos claros. Conta o compositor que na noite em que a conheceu, compôs a melodia e pediu ao poeta Adolfo Utrera, irmão de Conchita, que colocasse a letra, sugerindo-lhe o tema. Da mesma época é o bolero Quiéreme mucho, de Gonzalo Roig, que reflete nos versos o amor romântico que jura permanecer por toda a eternidade: Quiéreme mucho, dulce amor mío / que amante siempre te adoraré, / yo con tus besos y tus caricias / mis sufrimientos acallaré... / Cuando se quiere de veras / como te quiero yo a ti, / es imposible mi cielo / tan separado vivir...
Na década de 40 o bolero já havia se imposto em Cuba e nesta época destacaram vários compositores como Oswaldo Farrés, Bobby Collazo e Isolina Carrillo. Farrés fez fama com Toda una vida no qual repete-se o tema da promessa do amor eterno (Toda una vida estaría contigo / no me importa en qué forma ni cuándo, ni cómo, pero junto a ti....) além dos boleros Acércate más, Quizás, quizás, quizás e Tres palabras .
Bobby Collazo compõe La última noche cantada por Pedro Vargas em 1946. De Isolina Carrillo é o bolero Dos gardenias em que estréia o cantor porto-riquenho Daniel Santos. Outros compositores cubanos são José Antonio Méndez (La gloria eres tú), César Portillo de la Luz (Contigo en la distancia) e Frank Domínguez cujo bolero Tú me acostumbraste marcou época na carreira de Lucho Gatica.
Bolero no México
No final do século XIX, através da península de Yacatán, chegou ao México um ritmo de dança chamado habanera e com ele a canção La paloma muito popular durante o império de Maximiliano I e Carlota. A partir desta canção desenvolveria-se a dança mexicana de cadência inconfundível e dela foi fácil passar ao ritmo de bolero.
Na década de 20 aparece em cena o compositor mexicano Agustín Lara, cujas composições levará o bolero ao auge. Compõe cerca de 500 canções das quais se estima 162 foram boleros. Com eles estabeleceu a norma clássica do bolero, a qual consiste em 32 compassos divididos em duas partes, os primeiros 16 em tom menor e os outros 16 em tom maior. A mulher foi uma fonte de inspiração importantíssima em sua obra.
Com uma sensualidade exacerbada Lara fragmenta o corpo feminino em olhos, boca, pele, voz, modo de andar, em uma tentativa de apropriar-se desse corpo imaginado, objeto do desejo. Este se vê claramente nos boleros Palmeras e Tus pupilas. Seguindo a tradição do amor cortês, Lara representa a paixão amorosa como uma força insuperável e inexplicável, ou como um destino fatal mais forte que a própria morte. E essa idéia do amor continua viva entre os latino-americanos daí a popularidade dos boleros de Agustín Lara. São de sua autoria os boleros famosos como Solamente una vez, Oración Caribe e Pecadora.
Outras figuras que se destacam na produção de boleros mexicanos são: María Grever (Júrame e Cuando vuelva a tu lado), Gonzalo Curiel (Vereda tropical), Gabriel Ruiz (Usted) e Consuelo Velázquez que fez Bésame mucho, conhecidíssimo bolero cantado no mundo inteiro.
O desenvolvimento do bolero no México também foi impulsionado por influências estrangeiras, como o compositor porto-riquenho Rafael Hernández, que permaneceu neste país durante 16 anos em que compôs uma boa parte de sua obra musical, e também da visita do Trío los Panchos, no final dos anos 40, criadores de um estilo brilhante imitado por milhares de trios no mundo inteiro.
Não se pode concluir uma visão panorâmica do bolero no México sem mencionarArmando Manzanero, a quem devemos um rico repertório entre os mais famososContigo aprendí, Adoro e Esta tarde vi llover.
Bolero em Porto Rico
Se o bolero está centrado tradicionalmente em um sentimento relacionado com o amor - ódio, incerteza, desespero, felicidade ou êxtase - o bolero porto-riquenho se diferencia por ser fundamentalmente descritivo/narrativo. A maior parte dos boleros que manifestam estas características foram produzidos em Nova York nos anos 30 para um público de imigrantes recém-assentados nesta cidade.
A música era uma história que se recordava, era um ritual de saudade da terra longínqua. Talvez Rafael Hernández e Pedro Flores, grandes compositores de Porto Rico, foram influenciados pelo estilo do aquinaldo, villancico e plena, três gêneros musicais porto-riquenhos que usavam freqüentemente a narração e a descrição.
Finalmente o bolero havia procurado usar uma linguagem culta para merecer a atenção da classe alta. De modo que era freqüente encontrar compositores que se esforçavam por usar uma linguagem depurada, solicitando, às vezes, ajuda de amigos poetas. Não é de estranhar então que o bolero também se aproprie de certos rasgos do estilo modernista. Isso se demonstra com um grupo de talentosos compositores porto-riquenhos que abriram essa tendência, enriquecendo o bolero com a técnica narrativo-descritiva. Entre eles, destacam-se Rafael Hernández, Pedro Flores, Bobby Capo, Johnny Rodríguez, Tito Hernández e Noel Estrada.
Não teria sido fácil desenvolver o bolero como canção e como ritmo sem a intervenção de Rafael Hernández, cuja produção musical e poética pode ter ultrapassado 2.000 canções. Compôs, em 1927, em Nova York, uma das canções mais lindas de seu repertório: Lamento borincano. É uma espécie de canto lírico que descreve a inconformidade que sente o autor diante da pobreza em que vive o camponês de seu país.
Como se vê na letra da música, o autor mistura a narração, a descrição e o monólogo interior (o pensamento do personagem), conseguindo que nos identifiquemos com o alegre jíbaro (índio, camponês): Sale loco de contento / con su cargamento / para la ciudad, sí, para la ciudad (...) / Y alegre, el jibarito, va, / pensando así, diciendo así, / cantando así por el camino: / "Si yo vendo la carga mi Dios querido / un traje a mi viejita / voy a comprar / Y alegre, también su yegua va (....). Uma vez dados os personagens (o camponês, sua velhinha e a sua égua), a situação concreta que se busca apresentar (a venda de sua carga) e um tom de alegria, passa a representar, na segunda parte da canção, um forte sentimento de tristeza, de quase desespero: Pasa la manaña entera / sin que nadie pueda / su carga comprar, su carga comprar / Todo, todo esta desierto / Y el pueblo está muerto / de necesidad, de necesidad (...).
A conseqüência natural desta triste história é o lamento que se segue, com o qual o autor busca comover o público com a injustiça social que sofre o camponês de seu país: Y triste el jibarito va /pensando así, diciendo así, / llorando así por el camino / Que será de Borinquen mi Dios querido!
Outro exemplo da técnica narrativa/descritiva no bolero de Porto Rico é Bajo un palmar de Pedro Flores. Essa técnica é empregada em muitos boleros porto-riquenhos. Experimente dar uma olhada, por exemplo, em En mi viejo San Juan de Noel Estrada e Desvelo de amor de Rafael Hernández.
O amor "Bolero", o amor "Bossa Nova"
Minha experiência com o gênero me fez, a partir dos autores escolhidos, como anísio silva , carlos alberto, maysa matarazzo e outros, pude fazer uma caracterização do estilo, por assim dizer, de amor que é retratado nos dois gêneros. O bolero, por assim dizer, é um gênero essencialmente masculino, em sua representação no amor, porém,ele não é machista, apesar do apelo tradicionalista.
No bolero, o homem é representado com um sujeito sofredor por excelecência, e ele vive seus dilemas e seus dramas ao redor basicamente de sua perspectiva egocêntrica. Ele não odeia o mundo, mas, sofre por causa de um elemento desse mundo: o sexo feminino. A mulher muitas vezes é responsabilizada em suas atitudes, como provocadora dos males do sexo masculino. O ressentimento ás vezes é uma marca constante do gênero:
Alguém Me Disse- Anísio Silva
ALGUÉM ME DISSE
QUE TU ANDAS NOVAMENTE
DE NOVO AMOR, NOVA PAIXÃO
TODA CONTENTE
CONHEÇO BEM TUAS PROMESSAS
OUTRAS OUVI, IGUAIS A ESSAS
E ESSE TEU JEITO DE ENGANAR
CONHEÇO BEM
POUCO ME IMPORTA
QUE TE VEJAM TANTAS VEZES
E QUE TU MUDES DE PAIXÃO
TODOS OS MESES
SE VAIS BEIJAR, COMO EU BEM SEI
FAZER SONHAR, COMO EU SONHEI
MAS SEM TER NUNCA
AMOR IGUAL AO QUE EU TE DEI
QUE TU ANDAS NOVAMENTE
DE NOVO AMOR, NOVA PAIXÃO
TODA CONTENTE
CONHEÇO BEM TUAS PROMESSAS
OUTRAS OUVI, IGUAIS A ESSAS
E ESSE TEU JEITO DE ENGANAR
CONHEÇO BEM
POUCO ME IMPORTA
QUE TE VEJAM TANTAS VEZES
E QUE TU MUDES DE PAIXÃO
TODOS OS MESES
SE VAIS BEIJAR, COMO EU BEM SEI
FAZER SONHAR, COMO EU SONHEI
MAS SEM TER NUNCA
AMOR IGUAL AO QUE EU TE DEI
Entretanto, esse homem do bolero, tem uma visão idílica da mulher,ao mesmo tempo que a mal diz, a exalta ao ponto de em uma música o cantor admoestar, "ela é a sua esposa, e não a sua empregada!".Porém,ele sente falta da sua companheira, e apesar de machista,e ele se permite a expressão do sentimento amoroso, ao cobrar a falta de carinho e atenção de sua parceira.
Lado a Lado - Carlos Alberto
Lado a lado meu amor mas tão longe
Como é grande a distância entre nós
O foi que se passou entre nós os dois
que nos separou
Por que foi que os meus ideais morreram assim?
dentro de mim ombro a ombro
tanta vez mas tão longe
Indiferença entre nós quem diria
Custa a crer que tanto amor
Tão profundo amor tenha acabado
E nos ambos sem amor lado a lado
Fomos no passado um só destino
Somos um amor desencontrado
doidos que nós somos loucos que nós fomos
Não sei qual é de nós mais desgraçado
Lado a Lado - Carlos Alberto
Lado a lado meu amor mas tão longe
Como é grande a distância entre nós
O foi que se passou entre nós os dois
que nos separou
Por que foi que os meus ideais morreram assim?
dentro de mim ombro a ombro
tanta vez mas tão longe
Indiferença entre nós quem diria
Custa a crer que tanto amor
Tão profundo amor tenha acabado
E nos ambos sem amor lado a lado
Fomos no passado um só destino
Somos um amor desencontrado
doidos que nós somos loucos que nós fomos
Não sei qual é de nós mais desgraçado
Na Bossa Nova,a mulher é exaltada na sua liberdade sexual,e os relacionamentos amorosos,ganham contornos mais amenos. No entanto, em Chico Buarque, percebemos um certo retorno a dramaticidade do bolero, ao atribuir os aspectos trágicos da relação não mais ao homem, mas, a mulher. A leveza da mulher descrita por Tom Jobim e Vinícius de Morais, muitas vezes toma um ar de mágoa e de coléra, como no caso da música gota d'água.
Gota d'água - Chico Buarque
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Pode ser a gota d'água
No entanto, cabe aqui ressaltar, que no caso de Chico Buarque, não há como termos uma certeza de que a mulher retratada por ele é realmente uma representação do universos feminino, ou ela é a representação de uma sociedade amordaçada, frangilizada pela ditadura militar. Assim, por esta perspectiva, a mulher seria utilizada por Chico Buarque, não como sujeito em si, mas como representação, na voz do sexo frágil, da exclusão e da repressão social da ditadura militar, através da repressão sexual da mulher. Seria a Bossa Nova de Chico Buarque a bolerização da mulher?
diego costa
Gota d'água - Chico Buarque
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Pode ser a gota d'água
No entanto, cabe aqui ressaltar, que no caso de Chico Buarque, não há como termos uma certeza de que a mulher retratada por ele é realmente uma representação do universos feminino, ou ela é a representação de uma sociedade amordaçada, frangilizada pela ditadura militar. Assim, por esta perspectiva, a mulher seria utilizada por Chico Buarque, não como sujeito em si, mas como representação, na voz do sexo frágil, da exclusão e da repressão social da ditadura militar, através da repressão sexual da mulher. Seria a Bossa Nova de Chico Buarque a bolerização da mulher?
diego costa
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